Domingas
Estas são as memórias espaçadas, fragmentadas, de quase 90 anos de vida.
Nasceu nos primeiros dias de 1936. A 7 de janeiro, para ser mais preciso. Domingas foi a quarta de cinco filhos de uma doce mãe, carinhosamente chamada na família de avó Pingas, e de quem herdou a alcunha. O seu pai, um jovem oficial da Marinha, morreu novo. A época, tudo menos fácil, criou naturais dificuldades à família e Domingas teve de se tornar aluna interna do Instituto de Odivelas aos 11 anos. Estávamos em 1947, no rescaldo da II Guerra Mundial.
Mulher decidida, lutadora, senhora de grande inteligência e ainda maior curiosidade pelo mundo. Apaixonada por museologia, literatura e teatro, passou horas sem fim vagueando por exposições pelo mundo fora, lendo e assistindo às mais variadas peças teatrais. Foi responsável do arquivo clínico do Serviço de Obstetrícia, nos primeiros anos do Hospital de Santa Maria, e bibliotecária no Ministério da Marinha.
Seguiu-se a TAP, trabalhando na área de reservas, um emprego que lhe permitiu viajar pelo mundo fora e lhe estimulou o bichinho de conhecer novos locais e culturas. Esta oportunidade estendeu-se também aos seus filhos, Elsa e Zé Afonso, permitindo-lhes que abrissem horizontes, fossem mais além. E deu o exemplo: já adulta, licenciou-se em Línguas e Literatura, tornando-se professora de Inglês e Francês no Ensino Secundário.
Nos anos de 1970 faz o impensável para a altura - divorcia-se do marido e trilha, a partir daí, o seu próprio caminho, sempre em busca de ser feliz. E, por tudo aquilo que sabemos dela, foi. Encontrou o maior amor de todos nos seus dois filhos. Costuma dizer que “nem tudo o que luz é ouro”. Por isso, não podia ter uma história que se contasse de outra forma.
Pingas é também avó do António, da Mariana e da Filipa. Em breve será bisavó do Gaspar. Será sempre tudo isso: mãe, avó, bisavó. A doença, que a faz esquecer, nunca lhe retirará a determinação que sempre teve.
São quase nove décadas de vida. Foi esta a vida de Domingas. São estas as suas memórias.