Ana

Nascida e criada em Lisboa em 1949, Ana gostava da cidade. Foi lá que fez o liceu, tirou o curso de Engenharia Agrónoma, fez o grupo de amigas que tem ainda hoje e onde viveu os seus amores e desamores.

A menina que cresceu na Lapa virou uma mulher altruísta e generosa. Sempre foi muito virada para os outros. Dedicou-se de coração às diferentes versões que a sua família foi tendo: teve três casamentos e criou sozinha os filhos mais velhos, o Vasco e a Inês, com a ajuda da sua mãe e do seu segundo marido, quando o pai deles foi embora. Sempre se fez à vida, tinha de ser.

Desistiu do mestrado para cuidar dos filhos, em especial do Rodrigo, que tem trissomia 21. Quando nasceu foi aterrorizador, mas mostrou-lhe que o amor não se mede em cromossomas e que nos braços de uma mãe cabem muitas causas, apesar de ser um dos seus maiores desgostos, é ainda hoje o que a agarra à vida. Procurou muitas vezes ajuda no estrangeiro para ele. Tem ainda no pai do Rodrigo um amigo e parceiro para a vida, embora o casamento não tivesse sobrevivido.

Está em paz de ter vivido sempre para os outros, mas por vezes foi extenuante. Teve muitas perdas e foi sempre forte, mas caramba, esgotou-se nas suas missões de vida. Trabalhou a vida toda no Ministério da Agricultura, mas reformou-se mais cedo para cuidar da mãe e acompanhar a doença do terceiro marido até enviuvar. Vive com esse desgosto no peito, mas com a certeza doce de que esteve sempre onde era preciso. É assim.

Mulher independente e ativa, adorava estar com os amigos, levar os filhos à praia quando eram pequenos e adorava conduzir. Era feliz ao volante. Do carro e da vida.

Sempre lhe irritaram os lugares-comuns. Talvez seja por isso que também lhe irritam os provérbios, aos quais respondia sempre “mais vale ser rico e bonito do que feio e pobre”, já que era para constatar o óbvio. Mas agora vê beleza na banalidade e consegue prender-se a admirar as folhas de uma árvore a abanar com o vento e ainda se espanta com o tamanho dos prédios lisboetas.

O seu investimento deu frutos: tem filhos, netos e amigos dedicados. Todos se unem na comovente ligação de gratidão e retorno para com a matriarca. Cuidou de todos a vida toda, agora é cuidada.  

A história da Ana é vivida numa linha de tempo diferente, agora, com a triste alegria de saber que enquanto a memória dos seus existir, a sua viverá.